O dia em que sonhou ser um confeiteiro de mão cheia!
De olhos brilhantes e emotivos, Nuno Gil, agora com 54 anos, diz ser um homem realizado em todas as áreas e conta diariamente com o apoio da sua família que diz ele ser a mais crítica nas suas criações. O confeiteiro que não sabia estrelar um ovo, mas que faz as melhores doçarias da região
Foi na Varanda Azul que encontramos Nuno Gil, uma cara bem conhecida na região e até nos atrevemos a dizer a nível nacional, pelos produtos que saem diariamente das suas mãos que são colocados à venda no tradicional canal de comércio de doçaria.
Nuno Gil, com 54 anos, é casado com Sandra Gil, pai de Miguel Gil e de Maria Gil, dois jovens que seguem atentamente o percurso do pai. O chef Confeiteiro é natural de Palmela e conta já com um curriculum na sua carta de doçaria.
Uma cara bem conhecida na comunidade, mas também da televisão, pois tem participado ativamente em programas nos três canais televisivos. Quando está no seu canto, fica atento aos ingredientes, aos sabores, e o seu palato não o deixa mal, mas é aqui que entra a parte crítica da sua família.
Nuno Gil fala-nos da sua filha Maria, não segue os passos do pai, pois enveredou por outras áreas profissionais, mas não deixa de fazer as suas críticas.
“Tenho o privilégio de ter duas pessoas muito críticas. E essas duas pessoas tem o poder degustativo e olfativo muito apurado, é o caso da minha esposa Sandra Gil e a Maria Gil. Claro que a ‘peneira’ mais grossa é da mãe”, salienta.
Nuno Gil explica como é feita essa critica: “A Maria quando prova e como está na área nutricional diz-me que poderá estar um bocadinho mais doce ou falta isto, ou aquilo ali, ela é quem tem um aspeto mais crítico, e tem um poder e um encaixe muito pronto.”, o que faz da sua doçaria ser um êxito, pois é com esta primeira triagem lá de casa que depois passa para a segunda triagem que é o da sua esposa, estando aprovado pela degustação inicial é sinal que o produto está pronto para o consumidor final.
O chef lembrou ainda os tempos em que começou neste ramo, o da doçaria, e agradece muito aos proprietários do Retiro Azul, pois foi ali naquele espaço, a poucos metros da nossa entrevista, que começou a ver o seu bichinho pela cozinha a crescer. Pois já tinha esse bichinho inicial vindo da Marinha, onde serviu tropa nos seus tempos de juventude, afirmando à nossa equipa que foi ali (Marinha) que o gosto pela cozinha nascera: “Sim. Eu nunca tinha tido essa experiência, mas foi na atividade militar que começa a nascer o gosto, atenção que nunca tinha tido nenhuma experiência em termos de hotelaria e foi ao facto de ter estado na Marinha que nasceu esse gosto”.
Jovem e militar, diz ter conhecido Sandra Gil, a sua família estava ligada ao Retiro Azul e acabou direta ou indiretamente se apaixonar ainda mais pelo gosto da cozinha e pastelaria.
O sonho que virou realidade
Depois de alguns anos, Nuno Gil avança com um novo projeto na sua vida profissional, a Confeitaria São Julião, nascendo este projeto da atividade que já exercia no Retiro Azul. O chef com a sua resiliência, garra e sempre para andar para a frente, Nuno Gil sempre apostou na criatividade em criar novos produtos. Passou pela Escola de Hotelaria onde ficou a perceber algumas técnicas ainda mais apuradas e como sempre gostou de aprender, foi lá (escola de hotelaria) que ficou a conhecer mais sobre o mundo da pastelaria.
Passou ainda pelas formações que a Câmara de Palmela dava nos anos 90: “O presidente da Câmara de Palmela na altura era Carlos de Sousa, fez uma formação dirigida à restauração e participei, tenho pena que não se façam muitas formações como a que a autarquia fazia nessa altura”, lamenta a ausência dessas formações que ajudavam muito a restauração do concelho.
Chef Silva, um ícone…
Quem não se lembra do saudoso Chef Silva, o chef da Teleculinária que nos anos 70 e 80 era a revista de culinária de muitas senhoras de casa que copiavam as suas célebres receitas. Para Nuno Gil, o chefe António Silva e a Chef Irene foram duas pessoas que marcaram a sua vida no campo da cozinha e da pastelaria.
Foi através do Chef Silva que nasce a ideia de fazer em Palmela uma Confraria que pudesse defender a gastronomia de uma região. Nuno Gil lembra que na altura foi ele e o Chef Silva que fizeram um levantamento sobre as tradições da região e a partir desse momento nasceu a Confraria Gastronómica de Palmela para que defendesse as tradições gastronómicas locais.
A Confraria Gastronómica nasce e em mente tinha uma série de iniciativas ligadas à gastronomia local e doçaria, esteve presente nas Festas das Vindimas, e participou ainda em alguns eventos de relevo na região como o caso do Festival Pão, Queijo e Vinho, e era o jovem Nuno Gil que normalmente fazia os doces nessas atividades desenvolvidas pela Confraria Gastronómica de Palmela.
O Chef Nuno relembra alguns momentos passados com o Chef Silva: “Se calhar foi o primeiro chefe com quem tive contacto direto, pois aquela pessoa que nos entrava em casa pela caixinha preta (televisão), era aquela pessoa que nos ensinava à distância como fazer os doces, os cozinhados, é uma pessoa que certamente está na memória dos mais antigos e também das pessoas fiéis à revista Teleculinária. Ora, quando se dá este curso na Câmara de Palmela, foi a oportunidade de contactarmos com ele diretamente.”, o entrevistado salienta ainda que “após o conhecermos, não é só o privilégio de conhecer pessoalmente o Chef Silva, como também de conhecer a sua humildade, a sua simplicidade e acima de tudo o seu saber e conhecimento que valeu ouro.”.
Tarte Santiago… a tarte que aquece corações
Estamos em Palmela, uma vila que tem no topo o seu altaneiro Castelo, em tempos a sede da Ordem de Santiago, uma história que todos devíamos conhecer mais profundamente e estar mais visível em Palmela, para que não nos esqueçamos, Nuno Gil relembra o seu primeiro “pontapé” de saída na doçaria.
“O primeiro pontapé e golo nasce através da minha atividade profissional ali em frente (Retiro Azul), foi na altura contactado para participar num concurso nacional de gastronomia, e como no estabelecimento a doçaria era aquela que seria a normal em qualquer restaurante, a mousse de chocolate, o Molotov a tarte de amêndoa, ou seja, não havia nada que deferência-se a doçaria, eu lembrei-me de fazer uma nova criação, e nada melhor um doce que estivesse ligado à Ordem de Santiago e aos caminho de Santiago, porque os caminhos também passam aqui por Palmela, e eu achei interessante em fazer algo ligado ao momento histórico e foi daí que nasce a tarte de Santiago.”, relembrou o momento que nasceu uma das melhores tartes de Palmela, composta na sua maioria com gila e doce de ovo. Um doce que conseguiu trazer para Palmela o segundo prémio e honrar a Ordem de Santiago, talvez com a ajuda dos Cavaleiros de Santiago, quem sabe!
Muitas criatividades que acabam por conquistar o palato dos apreciadores
Nuno Gil sempre foi uma pessoa que gostou de estudar e pesquisar, um autêntico ‘Indiana Jones’, mas em formato de Confeiteiro, recentemente lançou um dos melhores e mais procurados Bolo-Rei, pois estamos em época natalícia e não fosse o chef da Confeitaria São Julião não apresentar uma iguaria sem igual.
A concepção deste novo Bolo-Rei, Nuno Gil começa por lembrar que a construção do bolo foi aproveitar um bocadinho de produtos de excelência que existem na região, e coligar todos os ingredientes com uma receita que lhe foi passada por uma amizade de uma chef de pastelaria que na altura trabalhava na saudosa Pastelaria Abrantes em Setúbal, Nuno Gil pensou em colocar mãos na massa este ano e apresentar um Bolo-Rei que pudesse avivar memórias e palatos com um novo ingrediente que é o Moscatel de Setúbal.
Mas para além deste novo produto, os fãs de doçaria podem ainda provar os bombons de moscatel, estes também realizados por um sonho que o Nuno juntou do chocolate com os mais belos moscatéis da região. Estes juntam-se ainda aos pastéis de natal com moscatel, produtos esses que não deixam o chef ficar mal.
Emoção nas recordações…
O nosso entrevistado à primeira vista parece ser uma pessoa dura e que não consegue quebrar, mas num dos momentos da entrevista, Nuno Gil, relembrou as pessoas que o fizeram crescer em todas as áreas, mas na área da restauração é com emoção que recorda António Pereira, seu sogro já falecido e também Esteves, mais conhecido por Galego.
Um dos novos projetos de Nuno Gil, é um projeto que está há várias gerações na família da sua esposa, o Retiro Azul que agora está sob gerência do Nuno e que recordou com emoção o momento desse novo projeto de vida onde também tem o seu filho nele inserido.
“Eu acho que os proprietários certamente estão bastante satisfeitos, vendo a sua casa, o seu estabelecimento, vendo também o seu passado, nomeadamente (desculpa)… O seu proprietário António Pereira e o senhor Esteves, conhecido por Galego, foi um homem que deu fama a esta casa, nomeadamente na restauração, e acho que também essas duas pessoas que tanto trabalharam neste estabelecimento e que já não estão entre nós, infelizmente, mas certamente estão orgulhosos de ver a sua casa novamente a progredir.”, relembrou dois grandes mentores do projeto Retiro Azul que é uma casa que já faz parte também da história local e regional.
Nuno Gil fala de coração cheio da sua família, pois é com ela que tem as suas bases para seguir todos os seus sonhos que passam também a ser deles, como o caso de Miguel Gil que atualmente podemos ver todos os dias no Retiro Azul, um jovem de 25 anos e com um espírito de grande relevo e humildade na hora de atender o cliente. É um jovem empenhado naquilo que faz, o pai lembra que Miguel estudou desporto, mas foi a hotelaria que mais lhe chamou a atenção. Formado pela Escola de Hotelaria, o desporto, esse também o chamou, mas não o encantou a 100 por cento, tem um ídolo no mundo do futebol, diz o pai, mas o tempo tudo traz e tudo leva, e com a reformulação do novo Retiro Azul, foi o que mais puxou o filho para este mundo que diz não ser fácil de trabalhar, mas Miguel Gil tem garra e sabe o que faz: “Ele sente o peso do avô e acho que é uma boa passagem, isto passar do avô para o neto, porque realmente está no sangue, isto transmite-se e nota-se ali um bocado dessa garra que o avô tinha.”. Já no final da entrevista, é o momento de questionar o entrevista com desejos para o futuro que nos respondeu: “Eu desejo, em primeiro lugar, saúde, isso é o mais importante, porque sem saúde todos nós sabemos que não conseguimos fazer nada sem ela. Esse é o meu maior desejo, juntando-lhe claro um bocadinho de mais trabalho, fazia antigamente as coisas ao contrário, mais trabalho e um bocadinho de saúde, agora temos que mudar as regras, porque a saúde é mais importante.”.